Generation A - Douglas Coupland


Em "Geração A", ou "o livro das Abelhas" como algumas pessoas gostam de o chamar :-) (e repito aqui porque sei que essa pessoa não irá levar a mal o uso da sua expressão), encontramos um pouco de todos nós e apesar de a história decorrer num tempo futuro, estão presentes semelhanças e consequências da realidade do nosso presente. Aquilo que já fizemos e que estamos a fazer e aquilo que ainda não decidimos ou pensamos fazer, mas que iremos fazer, vão-nos levar a algum lado e disso não há qualquer dúvida. Se iremos ter culpa por as abelhas desaparecerem ou não, não sabemos, mas provavelmente sim, também seremos culpados. Num palco em que as abelhas podem escolher-nos (para logo de seguida irem dessa para melhor) e numa altura em que elas estão extintas, ser-se escolhido por uma abelha é certamente um privilégio. Sendo um dos escolhidos, saberíamos dar um rumo a algo que nos foi de certa forma confiado ou oferecido? Algo que, numa maior instância e abordando a questão como um choque entre o real e o abstracto, poderia muito bem ser aquilo a que chamamos de vida. Por mais que se queira não se pode dar grande resposta a isso, pois o futuro, apesar de estar imensamente dependente de nós, é algo incerto e acerca do qual não podemos fazer grandes apostas. Dar tiros no escuro não é seguro. No meio em que nos inserimos, independentemente do local ou do tempo, existem inúmeras transformações externas e sobre as quais temos pouca influência, ou a mínima influência necessária para conseguir algo grandioso, e chega a um certo ponto em que nos limitamos a seguir o rebanho na tentativa de se conseguir acompanhar a mudança externa e que na sua extensão, nos permitirá uma mudança interior.
Era suposto essas mudanças ocorrerem na ordem oposta, mas devido às exigências, reais ou imaginárias, do estilo de vida que nos é praticamente e inconscientemente imposto, elas ocorrem muitas vezes pela ordem que não nos convém. 
Mas voltando ao livro, tentando divagar menos e também sem querer revelar grandes pormenores, posso dizer que quem o ler, irá certamente mudar a sua expressão facial (nem que seja apenas interiormente) quando se depararem com as inúmeras situações que são capazes dos nos colocar à prova: assentir ou duvidar?! rir ou reclamar?! mas sobretudo, o que o livro faz de certeza, é deliciar-nos com uma escrita refrescante, curiosa e realista, muitas vezes irónica, e na minha opinião, desenvolvida de forma inteligente e criativa. Acredito que quem gostar de uma leitura diferente, irá ver-se agarrado ao livro durante algum tempo, tempo esse que afinal não será muito porque é um livro que consegue ser lido rápido devido à ansiedade de querer saber mais sobre um mundo supostamente sem abelhas, mas onde aparecem 5 pessoas (que podiam muito bem ser qualquer um de nós) picadas por elas! O livro pode já ser curioso por falar dessa hipótese e suas consequências, mas depois vemos que há algo mais pelo meio que acaba por ser também uma surpresa....
Ainda não chegou ao nosso  mercado a solução para combater a questão do tempo ou a noção da velocidade a que este passa por nós... nem a solução para nos abstrair do mundo ou e despertar em nós a capacidade de desfrutar da nossa própria companhia, ignorando assim um dos nossos grandes medos, a solidão!
Será que vamos viver o suficiente para estar num mundo sem abelhas?! Acredito que não, mas sei que seria um mundo diferente e até lá, quem quiser experimentar um mundo sem elas, passe algum tempo nas páginas do livro das abelhas.

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"Foi quando tive a estranha sensação que estava a ser levantado de mim próprio - ou que o meu corpo se estava a duplicar como uma bactéria", o novo eu elevava-se acima do meu corpo que estava sentado na beira da cama. Passei por entre o tecto e o telhado da casa e estava sobre os campos ..., como um helicóptero, só que mais alto e mais silencioso. Continuei a subir e a subir e já estava onde a atmosfera se transforma em Espaço. Virei-me, olhei para o Sol e, em vez de cegar, senti um momento de reverência, de reconhecimento de que a vida na Terra é frágil e delicada e deve tudo ao Sol. Voltei-me e olhei para o Universo e estremeci por ele ser tão vasto e essencialmente vazio. E pensei na Terra ... Olhei para baixo, para o planeta e pensei: Que maravilha poder ser uma das raríssimas moléculas do Universo a quem é dada a oportunidade de experimentar isto a que chamamos vida - Estrelas e nebulosas e buracos negros aos quadriliões e apenas umas moléculas na Terra podem estar vivas.
E então comecei a cair. Não foi bem a cair, mas a a descida assustou-me. Plop..."


 "As almas pareciam animais domésticos sobreviventes de um furacão que descobriram que os seus lares e os seus donos tinham desaparecido. Viam o mundo a avançar, mas eram incapazes de participar na mudança ou no progresso. Viram envelhecer os corpos de onde saíram. Ficaram surpreendidas quando se aperceberam de como é cruel envelhecer no mundo moderno onde tudo o resto parece manter-se jovem.
As almas interrogavam-se porque não iam para o céu, ou para o inferno ou para outro sítio qualquer. Havia apenas uma errância infinita; E embora se tivessem revoltado e fugido dos corpos, as almas sentiam falta dos corpos da mesma forma que um pai sente a falta de um filho.



"Neste emprego, é quase só disso que aparece: pessoas como você, que entram aqui à espera de poder carregar num botão que de repente transforme as suas vidas em histórias. ...
... as coisas mais difíceis na vida são ser único e conseguir que a vida seja uma história. Antigamente, era muito mais fácil, mas a nossa cultura obcecada pela fama, com o escabeche diário de informação electrónica em tempo real, exige muito dos cidadãos modernos, e cria grandes obstáculos à narrativa. Os cidadãos verdadeiramente modernos são carismáticos e apenas conseguem interagir com outra pessoa com carisma. Para sobreviver precisamos de nos transformar em robôs carismáticos e vender a nossa imagem. No entanto, ironicamente a sociedade ridiculariza e castiga quem aspira a tal condição."


"... a supremacia dos PDA anunciava o princípio do fim. Bem, talvez não o princípio do fim, porque ele tinha crescido nas tradições familiares dos Glogs, o que significava acreditar que todos os momentos da vida anunciavam o principio do fim. Talvez estes novos PDA triunfantes marcassem, de forma profunda, o fim da linguagem, que estava a implodir numa sucata óptica de traços, marcas diacríticas e intrusões numéricas sem sentido.
Meus Deus, a linguagem regrediu até se tornar numa série de matrículas de automóvel personalizadas coladas umas às outras!
...As pessoas deixaram de vez de utilizar telefones fixos. Toda a gente na Terra usava um PDA, mesmo as pessoas que passavam fome, nos países que passavam fome. Todas as línguas do mundo desabaram e contraíram-se e a visão GAME OVER do Bartholomew estava a concretizar-se.
...Mas a partir do momento em que as pessoas ficaram espertas e começaram a falar da forma que escreviam e começaram a encolher a linguagem de volta às suas origens de grunhidos e murmúrios, as pessoas tornaram-se mais primárias, mais elementares... 
E depois de se tornarem mais autênticas e mais interessadas em usar sons e barulhos em vez de palavras para comunicarem umas com as outras, as suas vidas interiores mudaram. Os monólogos interiores, egoístas e cheios de raiva acabaram. Uma paz e dignidade santas abateram-se sobre as suas vidas. Acidentalmente aproximaram-se de Deus."



Comentários

  1. Após ter o teu texto, fiquei com vontade de ler novamente o livro :-) O texto diz (quase) tudo sobre o livro. Certamente não é um livro de "massas", mas no entanto está recheado de coisas boas, histórias hilariantes, metáforas que se aplicam aos tempos de hoje...Ainda não vi os vídeos, tenho que os ver em casa, shame on the pc que tenho no trabalho (ops) pois o som não é grande coisa.

    Lendo os excertos que aqui tens, eles têm uma história por trás, mas mesmo assim encaixam na tua opinião formada por causa deste livro.

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