Alguém escreveu

Aqui (ou mais abaixo) fica um texto de Gilberto Amado que fala sobre a vida. A vida que pode ser partes da minha, que pode ser partes da tua. Partes que são fragmentos e que quando se juntam fazem uma vida parecida ou diferente daquela que encontramos no texto. Mas acima de tudo será uma vida, algo colossal composto por inúmeras miniaturas que numa das suas vertentes podem ser momentos. Brisas e rajadas, calor e frio, rampas e degraus, monólogos e diálogos, presenças e ausências.

Minha vida
(um texto de Gilberto Amado)

Vai minha vida nas asas do perigo.
Minha vida profusa, diferente,
Com o seu povo de surpresas
Com os seus guias de sempre,
O Imprevisto e o Extraordinário.
Alegre mas arfante, sadia mas fantástica.
Minha vida, que desenho curioso,
Aberta ao arrepio da corrente,
Em abruptas arestas de contrastes!
Longe da estrada comum onde mora o Possível,
E onde o Fácil brinca triunfante com o Normal.
E sobretudo longe do vale da Paz!

O Imprevisto, o Extraordinário,
Esses filhos ricos do Destino,
A tomaram consigo e a arrebataram
No seu louco saltar e nas suas correrias
Para um mundo de abismos.
Viver é seguir, continuar, geometria plana, linha recta.
Eu ao contrário me puseram num espaço de turbilhão,
Num sistema de prismas e de polígonos,
Num esquema de relâmpagos.
Cada minuto, cada ponto, na linha da minha existência
Pode ser um milagre ou um desastre, uma estrela
ou um precipício.
Não será o ponto que deve ser, direito, no seu lugar,
Não será o minuto quotidiano do relógio,
O minuto que eu quisera...
É um minuto de túmidos relevos,
Ou de côncavos rebojos.
Ou erguido demais
Ou cavado bem fundo.
Ora réstia de lâmpadas divinas,
Ora hálito de pântanos imundos.

Ó minuto, eu quero parar.
Amigos meus, e meus algozes
— Imprevisto, Extraordinário...
Quero silêncio, quero norma.
Deixai-me construir a minha casa
À beira do rio Regular,
Na rua do Relativo,
Na vizinhança do Conforme,
Sobretudo à sombra da árvore plausível "do que se espera".

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