Veio o sol ou foi a chuva que se foi


Excerto de "Um livro por escrever"...


Permanecíamos ali imóveis, na quietude do silêncio, a ver o tempo passar, mas no interior do revestimento do meu ser, um coração bombeava ao mesmo ritmo inconstante com que os pingos da chuva caiam à nossa volta, atingindo ferozmente as copas das árvores, as suas folhas, os seus galhos, acabando por abafarem o seu som no embate contra o solo, fazendo com que dali não pudéssemos sair. Mas eventualmente acabamos por sair e a única coisa que não saiu, foi esse momento que se esconde na minha memória e que, de vez em quando, explode na superfície como se fosse a bolha de um caldo que se revolve no interior de um caldeirão. Envolve-se em si mesmo, viajando dentro de si, como se procurasse alguma coisa que sabe que existe em si, e depois no cansaço da sua busca, vem à superfície para recuperar o fôlego e volta a mergulhar novamente, repetindo a sua missão até que algum outro factor a interrompa. Nos dias de hoje, procuro nos rostos das pessoas com quem me cruzo, o brilho dos teus olhos, as linhas do teu rosto e, eventualmente, o teu sorriso. Não procuro as tuas palavras porque isso já seria exagerar. Curiosamente, por obra do acaso ou meramente devido a uma ilusão dos sentidos, por vezes vejo em alguém uma espécie de reflexo do teu rosto e desfruto do momento de te ver novamente, mesmo tendo a noção de que tudo não passa de um truque ou engano da mente, imagino diálogos e momentos, e sinto uma espécie de satisfação, como se fosse algum tipo de droga, cujo prazer dura enquanto acontece, e depois, como se aquela chuva voltasse a cair na tentativa de apagar a memória que ela foi responsável por criar, o seu efeito desvanece-se e tudo volta ao normal. Veio o sol ou foi a chuva que se foi.

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