O tocador de violino
Naquela tarde, ou inicio de tarde, que por acaso era Sábado [ mas para nós, e porque naqueles dias não havia dias definidos, já que eles eram especiais e eram nossos, não pertenciam a uma semana ou a um calendário, pertenciam a nós], vagueávamos sem saber ao certo o que é que procurávamos, sem saber qual era o nosso destino ou as nossas intenções. Pairava no ar uma sensação de desamparo [em tom de certa desorientação] e de uma ligeira tristeza que era como o reflexo do céu nas pequenas poças resultantes da acumulação das gotas de água que iam caindo e que se espalhavam ao longo dos passeios e das ruas, era uma sensação de falta de ligação em relação àquele local, em relação àquelas ruas que percorríamos e que, ao passarmos por elas, tentávamos decifrar os seus cheiros, o seu ambiente e a sua lida diária caso não fosse Sábado ao inicio da tarde e as nuvens não estivessem a gotejar de quando em quando. Apesar de toda a melancolia que se podia sentir, tudo isso tinha algo de agradável, talvez fosse apenas o facto de não termos quase nada definido ou não conhecermos nada. O nosso passeio tornou-se estranhamente mais prazeroso quando aos nossos ouvidos chegaram algumas notas que emanavam das cordas de um violino perdido algures entre os edifícios e as rua que nos rodeavam. Era um som suave, mas que a partir de certo ponto, enchia toda aquela zona com sons que eram como magia, flutuavam no ar e atraiam a nossa atenção como se fossemos feitos de algum material que pudesse ser sugado por um íman. Foi como se acabássemos de ganhar um objectivo e uma orientação em direcção a um destino ao acaso e seguimos de mão dada em busca da origem daquele som. Quando chegamos à nossa meta, ficamos ali alguns minutos a desfrutar daquele momento, e devido a alguma timidez nossa, permanecemos imóveis, não nos aproximamos para agradecer a oferta àquele senhor que se abrigava da chuva no vão de uma enorme porta, e que era o responsável por todo aquele espectáculo solitário, ele e o seu violino, em perfeita harmonia, a ser apreciado por nós e por mais dois ou três pares de pessoas que ignoravam a chuva. Hoje tenho aquele dia e aqueles momentos armazenados na memória e essas minhas palavras são uma espécie de reconhecimento e agradecimento que não foram prestados na devida altura.
Há cheiros, emoções, sensações e cores, que nos remetem para outras latitudes do viver. Mas deste teu texto em flashback onde relembras um agradecimento nao dado, é importante reconhecer sempre isso: que devemos elogiar sempre, nao gratuitamente mas desde que o sintamos. O elogio vai beneficiar quem o dá e quem o recebe... porque sentido.
ResponderEliminarUm abraço
Este post cativou-me sem duvida, gostei mesmo parabens :)
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