Pausa nas palavras
Hoje faço uma pausa e deixo as palavras de lado, hoje a sobremesa não são
palavras. Talvez hoje não esteja com fome de palavras e em alternativa sinto
uma vontade de ver pessoas, de saber e sentir que há pessoas nesse mesmo mundo
que por opção ou por instinto, tendo a deixar de fora quando mergulho
temporariamente em oceanos de palavras. Essa vontade de ver pessoas não surge
do nada. Surge devido a um cansaço, um cansaço talvez visual talvez mental, talvez apenas ilusório, causado pela rotina e consequente isolamento. Surge também devido à claridade
luminosa oferecida por um esplêndido dia de sol que ilumina as ruas, os
passeios, os carros, as pessoas e tudo o que consegue abranger, libertando um
pouco os pensamentos da escuridão imposta através das mais diversas formas de expressão.
Vejo pessoas que hoje passam nestas ruas e que provavelmente nunca o voltarão a
fazer. São pessoas que vêm de longe, de muito longe, de lugares que desconheço
e de lugares que talvez só conheça pelo nome. Acredito que possam ter vontade
de cá voltar, mas tudo dependerá das voltas que estejam reservadas para as suas vidas. Posso
estar aqui sozinho, mas estranhamente há uma parte de mim que se sente mais
acompanhada, é como se uma parte de mim pudesse seguir ao lado das pessoas que
passam por aqui e ao mesmo tempo ficasse ao pé de mim, ao meu lado, uma parte dessas pessoas que estão apenas de passagem. Posso tentar decifrar as expressões que os seus rostos oferecem e
até posso tentar imaginar origens, características, profissões, passatempos,
nomes, etc, e tudo isso apenas aproveitando o que o olhar e mais alguns
sentidos têm para oferecer. Entre uma dessas pessoas que caminham, há uma criança
que deve ter uns 10 anos e que caminha abraçado a uma caixa de papelão de dimensões consideráveis,
de dimensões que os seus braços não conseguem abraçar totalmente. Inúmeras
ideias ou memórias surgem no sentido de presumir o que poderá seguir dentro daquele caixote
castanho. Em tempos, um caixote daqueles poderia servir para guardar e
transportar os meus brinquedos favoritos, talvez material escolar e de desenho ou actividades
semelhantes, poderia servir para transportar um gato ou um pequeno cachorro. Poderia
servir para levar uma floresta de folhas verdes acabadas de apanhar e pequenas lagartixas (a que chamávamos
bichos-da-seda) que se alimentavam precisamente das folhas que lhes
acompanhavam e se transformavam no seu novo habitat. Em última instância, uma caixa daquela poderia servir para transportar um mundo inteiro desde que assim quisessemos. Mas hoje é dia de olhar para o mundo real, olhar para o presente, mais ou menos sem saber certezas para o futuro.
Que grande sobremesa!!
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