2024.4 - A biblioteca da meia noite de Matt Haig
“A biblioteca da meia-noite” de Matt Haig
Não querendo desvendar muito do que se passa no livro (para aqueles que tiverem curiosidade de o ler) posso alinhar as próximas palavras com aquilo que consta na sinopse do livro.
Assim, acompanhamos a história (ou parte dela) de Nora Seeds, que, já passando a meia idade, dá por si insatisfeita com a vida que tem, que se traduz de certa forma num quadro clínico de depressão, em que considera que a sua vida acabou por ser uma série de fracassos pessoais, familiares e profissionais. Todas as suas aspirações parecem ter sido minadas com situações ou escolhas que resultaram num presente que, aos olhos dela, não parece ter nada que lhe faça querer agarrar-se à vida, nenhum objectivo ou razão pela qual vale a pena lutar para continuar nesse mundo (no mundo dela nesse caso).
Após um certo “incidente”, Nora vê-se, ou imagina-se, numa espécie de limbo, um local que dá título ao livro, e que consiste numa biblioteca, onde é sempre meia-noite, e na qual os livros que lá estão acabam por ser as vidas alternativas que Nora podia ter vivido caso tivesse feito diferentes escolhas ao longo da vida, pois, como acontece na vida real (fugindo aqui momentaneamente do livro), somos muitas vezes confrontados com escolhas que podem ser decisivas para a nossa vida. Às vezes pequenas escolhas podem desencadear eventos que podem mudar a vida por completo, já que não são apenas as escolhas que consideramos mais importantes, ou significativas, que podem determinar o nosso futuro.
Nora tem assim oportunidade de mergulhar em alguns dos livros que se encontram na referida biblioteca e vivenciar algumas vidas alternativas à sua vida real, como se esse livros fossem portais para paralelos universos paralelos. Isso não quer dizer que todas as vidas alternativas que ela possa experimentar apresentem um resultado perfeito, e que nelas (nas vidas alternativas) também não existam situações que pudessem fazê-la sentir-se igual ou pior ao que ela sente na vida “real”. Se era um escape que ela procurava, pode ser que essa não seja a solução.
A forma como o autor explorou a vida de Nora nas vidas ou universos paralelos ou alternativos acaba, na minha opinião, por trazer ao livro algumas situações ligeiramente cómicas, o que contribui um pouco para tornar a leitura mais leve, conforme referido no início deste texto. Essas situações estão relacionadas com o facto dela “cair abruptamente” na vida das “outras Noras”, e ter que encarnar o seu novo eu, muitas vezes sem contexto e/ou sem conhecimento do passado daquela Nora “alternativa”, o que pode gerar situações caricatas ou estranhas. Claro que isso faz com que se torne complicado para ela assumir a sua personagem “alternativa”. Não é uma fórmula totalmente original, e até pode acabar por se tornar um pouco repetitiva à medida que avançamos na leitura, funcionando um pouco como aquelas histórias, ou filmes, que se centram no tópico das viagens no tempo.
Apesar de ser mencionado algumas vezes as infinitas possibilidades que os livros da biblioteca da meia noite podem representar, oferecendo assim a hipótese de Nora experimentar outras vidas ou vertentes da sua vida, talvez o autor pudesse ter tirado mais partido dessa “infinidade” e explorado mais cenários ou personagens, pois fiquei com a sensação de que, apesar de se tratar de vidas diferentes, muitas delas incluem um determinado número de personagens em que são feitas várias combinações. Percebo que o objectivo de assim ser possa ter a ver com o facto do autor não se querer “perder” ou fugir do essencial, na expectativa de poder dessa forma criar algo mais substancial em redor de um determinado conjunto de personagens centrais e suas variações.
Como era de esperar, ou seria de esperar, a certa altura Nora tem de tomar uma decisão. Regressar, ou partir definitivamente.
Tudo vai depender das experiências ou vivências que ela teve oportunidade de explorar através dos livros da biblioteca da meia-noite. Será que depois de explorar outras realidades, ela vai querer voltar à sua vida nada entusiasmante?!
Independentemente da escolha dela, e do resultado dessa escolha, este livro acaba por transmitir a ideia de que, independentemente do nosso grau de satisfação em relação à nossa vida (lembrei-me agora daqueles típicos “breves” questionários…. numa escala de um a dez, indique por favor o seu grau de satisfação “em relação à sua vida”, em que zero é nada satisfeito e dez é totalmente satisfeito), vale sempre a pena lutar e acreditar que ainda vamos a tempo de fazer melhores escolhas; de acreditar que o resultado das nossas escolhas nem sempre dependem apenas de nós; acreditar que, apesar de podermos não ter feito a melhor escolha em determinada altura da nossa vida, ainda vamos a tempo de compensar isso fazendo mais e melhor no sentido de nos tornarmos melhores pessoas e mais capazes; acreditar que tudo acaba por ser relativo, e que talvez a insatisfação que se possa estar a sentir se deva simplesmente ao facto de não termos vivido outra situação pior do que aquela que consideramos ser má; acreditar que muitas vezes nos guiamos pelo facto de querermos satisfazer as expectativas das outras pessoas, considerando que o fazemos, ou quem somos, não é suficiente, resultando numa baixa autoestima e auto desvalorização pessoal.
“Resumidamente”, este livro é um lembrete para estarmos mais atentos a nós próprios e a quem nos rodeia, para mostrarmos mais simpatia e paciência em relação ao próximo, para não nos esquecermos de que, apesar de haver imensas possibilidades devido às escolhas que podemos fazer, não podemos experimentá-las todas, pois afinal de contas existe uma finitude dentro dessa infinidade de possibilidades, e por isso será escusado estar constantemente a rever os “ses” da vida nem a quererem comparar-se pessoas que pensam que devem ter como exemplo a seguir na vossa vida, e, acima de tudo, este livro é também um lembrete para estarmos GRATOS .
Sinopse: "No limiar entre a vida e a morte, depois de uma vida cheia de desgostos e carregada de remorsos, Nora Seed dá por si numa biblioteca onde o relógio marca sempre a meia-noite e as estantes estão repletas de livros que se estendem até perder de vista. Cada um desses livros oferece-lhe a hipótese de experimentar uma outra vida, de fazer novas escolhas, de corrigir erros, de perceber o que teria acontecido se tivesse escolhido um caminho diferente. As possibilidades são infinitas e vários horizontes se abrem à sua frente."
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